O desafio da
escrita é sempre instigante. Neste texto quero soprar algumas idéias para
pensarmos a temática que o blog provoca em seu título. Sequências e Consequências.
A discussão foi aberta, magistralmente, pela Sônia Arnold que trouxe algumas
provocações em seu texto, numa perspectiva teológica entrelaçada em alguns
apontamentos de ordem psicológica. Procurarei provocar uma reflexão no sentido
das temporalidades e da não-linearidade da vida, problematizando a
contemporaneidade e os novos desafios que urgem neste século.
Conta
a mitologia grega que existiam dois deuses do tempo, Kairós e Chronos. Chronos
era conhecido como o deus do tempo linear, tempo cronológico, o tempo do
relógio, medido e cronometrado. Tempo que governa, enquadra, organiza e
administra a vida. Kairós era conhecido como o deus do tempo do sentido e da
experiência. Kairós estava para além do tempo cronológico. Para Kairós
importava o vivido e o sentido daquilo que fizemos na esteira do tempo
cronológico. Estava para além do relógio. No tempo Kairós não havia um
cronometro, existia sentido. É o tempo da significação. É o tempo da reflexão e do sentido para a existência.
Desta forma,
penso que em Chronos podemos pensar a sequência. A seqüência como um trilho de
trem, um ou vários caminhos lineares, sem muitos desdobramentos e com pontos de
chegada que são na maioria das vezes imaginários. Então, se Chronos é a
seqüência e a linearidade, em Kairós teremos uma nova temporalidade, um
desdobramento, uma não-linearidade, enfim, um rizoma de significações que pode brotar
de cada etapa do trilho do trem da linearidade sequencial de Chronos. Aí cabe
questionar, o quanto na dinâmica do mundo globalizado conseguimos pensar e
perceber o tempo Kairós em nossas vidas? Vidas marcadas por inúmeros horários,
inúmeras informações que nos invadem por todos os lados e que estão nos levando
a uma espécie de esquizofrenia global generalizada.
No tempo
Kairós temos a possibilidade de refletir sobre as seqüências e conseqüências de
cada passo que damos nesta vida. É um tempo que permite um espaço de encontro(s).
Um encontro consigo mesmo. Um encontro para com Deus. Entre muitos outros encontros. É uma temporalidade que
não interessa para a nova dinâmica econômica e social, pautada cada vez mais na
administração da vida. As novas políticas de governo - que são cada vez mais
biopolíticas - querem é governar a própria vida humana. Leis, normas, direitos
que vão nos capturando nas tramas da legalidade constitucional. Na loucura da
esteira de Chronos não mais conseguimos pensar nas prisões imaginárias que
estamos inseridos. Passamos a achar normal funcionar 24 horas por dia, comer
comida fria, dormir cada vez menos para produzir cada vez mais, entre tantos
outros exemplos de coisas que vão capturando nossa potência de vida.
Portanto, sequências
e consequências, uma discussão que nos remete a pensar a contemporaneidade e a
dinâmica da vida. E de certa forma, acredito que é no resgate e no fortalecimento
da reflexão sobre as temporalidades que vamos conseguir refletir de forma mais
pertinente sobre como esta nova dinâmica globalizadora e planetária, ao mesmo
tempo que nos lança numa vasta rede global, nos captura a própria vida. E é
nesse movimento frenético de captura, velocidade de comunicação, necessidade de
estar online, de se informar, aprender cada vez mais, que vamos sufocando a possibilidade
de deixar pulsar o tempo Kairós que vive no coração de cada um de nós.
Luís Dhein
Meu caro Luis,
ResponderExcluirobrigado pelo convite! Realmente, há que tecer sequência para amealhar consequências.
Estas não se sob a vigilância dura de Cronos, mas no tempo sem tempo de Kairós.
Com admiração pela proposta
attico chassot
http://mestrechassot.blogspot.com
www.professorchassot.pro.br
Luis,
ResponderExcluiradito um abraço especial desde Teresina, terra da cajuína descrita no blogue desde 31 de julho.
attico chassot
http://mestrechassot.blogspot.com
www.professorchassot.pro.br
Luís, filósofo querido :D
ResponderExcluirTexto lindo! Capta uma ideia importante sobre as diversas sequencias e consequencias de nossas vidas.
Hoje recebi no face um recado de uma amiga, que mora longe (longe mesmo) e há tempos não nos vemos... reforçando a importância desta amizade, que mesmo parada no tempo e no espaço, continuar a ecoar em nossas vidas, a cada lembrança de momentos compartilhados. Me peguei escrevendo de volta o seguinte: "Amigo é para sempre, mesmo que o sempre não exista."
E daí, instantaneamente, me lembrei do teu post, do Chronos e do Kairós... essa frase sempre me chamou atenção, sempre pareceu tão verdadeira em algumas situações. E agora, dá ver um porque a mais: dá pra se dizer que é um jogo de palavras, brincando com esses dois conceitos de tempo... tem o sempre do Chronos, que pode até não existir, mas tem o sempre do Kairós, que é um tempo que se desdobra, que ecoa dentro da gente, que não se limita pelo relógio... que é consequência; neste caso em especial, de uma amizade bonita.
Beijoo grande!
Denise
Olá, Luis! Bela reflexão! A Mitologia é mesmo a Alma da Filosofia! Muito sábia esta concepção de um deus do tempo linear, Chronos, e um deus mais abrangente, kairós. Trazendo isso para o hoje, podemos relacionar o Chronos ao tempo do homem, limitado, intermitente, desconexo, aparente... e Kairós ao tempo do Eterno, do transcendente, que une e transforma as aparências, que mostra-se e ao mesmo tempo esconde-se, deixando através dos insights( intuições), sinais de sua infinita presença. Podemos também relacionar Chronos aos apelos do mundo contemporâneo, o deus terreno, deus do capitalismo, que se materializa na ânsia de ter, de poder, de aparecer e Kairós, a consciência ou percepção que nos leva a verdade, a liberdade, a autonomia.
ResponderExcluirNa contemporaneidade, em muitos segmentos da sociedade nosso deus Kairós está sendo jogado para um estado de latência, de hibernação. Há que se despertá-lo. Há que se buscar formas de conviver mais harmonicamente com os dois. Há que se permitir que o deus do Eterno sobressaia-se e assuma o controle da vida.
Nas sequências e consequência da história, tudo muda, tudo transforma-se, porém, a essência das coisas permanece, é imutável e, no seu tempo, sobrepõe-se, insurge-se, reconecta-se, aqui e acolá, a fatos, ações e situações, independente desta aparente e complexa dominação. É neste Deus, sob a denominação de Kairós, de Javé ou de Poder Superior, que eu acredito e aposto, a despeito de qualquer evidência em contrário.
Abraço! Sonia Arnold
Olá Sonia.
ExcluirÉ uma alegria ler seu comentário complementando e ampliando a discussão.
Essa discussão me fez lembrar um trechinho de um poeta chamado Pinheiro, citado por Hugo Assmann em seu Reencantar a Educação, onde ele escreve que
É sempre tarde nos relógios
que acompanham nossos ritmos.
Está atrasado o tempo que nos veste.
Nós somos antes do que vimos sendo. (Pinheiro)
E que essa temporalidade kairológica pulse e ganhe força nas reflexões contemporâneas.
Abraços,
Luís Dhein.
Olá, que textos lindos, adorei o blog!
ResponderExcluirTenho que dar meus pitacos dando um ponto de vista biológico também. Estas reflexões sobre o tempo Chronos versus Kairós me fizeram lembrar de um insigt que eu tive ao ver uma imagem semelhante a esta: http://3.bp.blogspot.com/-kNs05u0qjzU/TfA_jNlVvHI/AAAAAAAAA-o/O6CHV0nyj74/s400/flor_amarela.jpg - de uma flor crescendo em meio a um ambiente hostil, como se estivesse fora de seu tempo, fora do lugar, fora do momento.
Pensando nessa flor, começo a imaginar nas dificuldades que essa semente passou para germinar, nos dias de Sol e chuva, até conseguir abrir um botão e espalhar a sua própria semente. Penso também na(s) flor(es) que lhe deu origem e que a precedeu, através de incontáveis gerações, migrações e processos evolutivos. A vida seria então um grande fractal genético, uma vida dentro de outra vida, formando um todo de proporções inimagináveis e em permanente construção, do qual fazemos parte também em nossos laços familiares, sociais, acadêmicos, etc.
É fundamental pararmos um pouco nosso tempo Chronos para refletir e porque não, admirar a beleza dessa singularidade, pois como dizia Heráclito: "O mesmo homem não pode atravessar o mesmo rio, porque o homem de ontem não é o mesmo homem hoje, nem as águas do rio de ontem são as mesmas de hoje"
Abração!
Pauline Leopoldo
Depois desse texto instigante, escrever o que? Qualquer reflexão que eu fizesse aqui seria incompleta ou, ao menos, minimalista... Que Kairós e Chronos venham cada um a seu tempo. Sucesso, Luís!
ResponderExcluirOi família, fiquei encantada com os textos de todos, e com os comentários também. Acho que não há nada mais maravilhoso na vida do que conseguir traduzir em palavras o sentimento que pulsa dentro de cada um de nós, é como parir um filho. Estão todos de parabéns, por enquanto ainda não estou fértil, mas quando isso acontecer, é aqui que vou vir dar á luz! Abraços
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